Alterações cognitivas na esquizofrenia

A cognição pode ser definida como um conjunto de capacidades
que habilitam os seres humanos a desempenhar
uma série de atividades no âmbito pessoal, social e ocupacional,
tais como: concentrar-se na leitura de um livro,
aprender novas informações, solucionar problemas,
realizar escolhas, manter uma conversa, entre outras. O
prejuízo dessas capacidades já era apontado por Kraepelin
(1896) e Bleuler (1911) como a característica central
da esquizofrenia e, desde essa época, o interesse pelo
curso e extensão dos prejuízos vem sendo amplamente
estudado (Sharma e Antonova, 2003).
Os déficits cognitivos, segundo os estudos conduzidos
no primeiro episódio com pacientes não-tratados,
parecem ser prévios ao desenvolvimento da doença.
Num estudo de revisão realizado por Torrey (2002)
sobre pacientes nunca tratados com medicação antipsicótica,
os achados neuropsicológicos indicaram déficits
de memória e de aprendizagem, atenção, abstração,
linguagem, funcionamento executivo e velocidade psicomotora.
Os resultados dos pacientes nunca tratados,
comparados aos dos pacientes medicados previamente,
foram similares.
Segundo O’Carroll (2000), as alterações neuropsicológicas,
que já são observadas logo no primeiro
episódio psicótico, parecem sugerir prejuízos quanto
ao neurodesenvolvimento. No entanto, ainda não há um
consenso sobre o curso do declínio ao longo da doença,
pois alguns estudos sugerem uma estabilidade das alterações
cognitivas. Ainda assim, esses dados estão longe
de ser conclusivos, indicando a necessidade de estudos
longitudinais que possam esclarecer tal questão.
Em um estudo de metanálise, Fioravanti et al. (2005)
revisaram 1.275 artigos, publicados entre 1990 e 2003,
e selecionaram 113 estudos (4.365 pacientes e 3.429
controles) nos quais foram investigados cinco domínios
cognitivos específicos: QI, memória, linguagem, funções
executivas e atenção.
Em todas essas áreas, os pacientes com esquizofrenia
apresentaram pior desempenho nos testes neuropsicológicos
quando comparados aos do grupo-controle.
Pior performance cognitiva também foi observada
em relação à memória verbal e funções executivas em
parentes não afetados de indivíduos com esquizofrenia
por intermédio de uma metanálise que compreendeu 37
estudos (1.639 parentes e 1.380 controles), ratificando
a idéia de que tais prejuízos podem refletir uma predisposição
para a doença, ou seja, um endofenótipo para a
esquizofrenia (Sitskoorn et al., 2004).
A idéia de que essas alterações são prévias ao aparecimento
da doença também ganha consistência com
os estudos realizados junto a grupo de alto risco para
psicose, ou seja, pessoas que ainda não apresentaram a
doença, apesar de já manifestarem alguns dos sintomas
característicos do transtorno ou fatores de risco. Tais
estudos mostram uma performance pior dessa população

nos testes neuropsicológicos quando comparados
aos da população normal (Hawkins et al., 2004; Niendam
et al., 2006).
Apesar de um grande número de pesquisas descrever
alterações cognitivas na esquizofrenia, ainda não há
uma concordância em relação aos aspectos qualitativos
e quantitativos desses déficits. Dificuldades com relação
às diferenças na escolha das amostras e aos instrumentos
de avaliação e interpretação dos resultados levam,
com freqüência, a conclusões divergentes sobre o assunto
(O’Carroll, 2000; Fioravanti et al., 2005). Há ainda
controvérsias quanto à questão global dos déficits em
relação aos prejuízos específicos, uma vez que muitos
estudos mostram alterações neuropsicológicas em vários
domínios cognitivos, o que ainda não nos permite
afirmar que há um padrão de déficits cognitivos na
esquizofrenia (Joyce e Roiser, 2007).
Contudo, performances menos eficientes, em torno
de 1,5 a 2,0 desvios-padrão abaixo da população normal,
observados nas áreas da atenção, funções executivas,
working memory, memória e aprendizagem verbal, parecem
ser consistentes na maioria dos estudos. Esses
déficits também foram considerados os preditores mais
solidificados do sucesso ou fracasso nos diferentes
aspectos da conseqüência funcional da esquizofrenia
(Peuskens et al., 2005).

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