Perfil da criança surdocega em relação ao processo de desenvolvimento

A criança surdocega é portadora de características únicas, que resultam do efeito
combinado das deficiências auditiva e visual. As características clínicas que definem a criança,
do ponto de vista oftalmológico e audiológico, são insuficientes para prever o quanto poderá
se desenvolver quando imersa num ambiente que proporcione uma estimulação adequada
às suas necessidades (Cader & Costa, 2001).
A característica da interação da criança com deficiência primária no ambiente,
freqüentemente marcada pela carência de estímulos, pode desencadear um desenvolvimento
atípico, compatível com os limites impostos pela combinação das deficiências auditiva e visual.
Assim, enquanto o surdo utiliza o campo visual-espacial como principal via de acesso às
informações e ao estabelecimento de interações com o meio, o cego utiliza o campo auditivotemporal
(Cader, 1997). Já o surdocego necessitará aprender a utilizar os sentidos
remanescentes e/ou os resíduos auditivos e visuais para o estabelecimento de trocas
significativas e necessárias à sua participação efetiva no ambiente.

o movimento do corpo (ex: voltar-se para a pessoa que a chama). Outras vezes, o
comprometimento visual pode restringir os movimentos da criança na exploração sensóriomotora
de seu ambiente físico e humano.
As implicações das limitações visuais e auditivas nas interações podem ser minimizadas
com a introdução do toque. Muitas crianças parecem não gostar de serem tocadas por não
conseguirem identificar a origem e o significado do toque. Nesses casos, a utilização de objetos
e/ou toques familiares à criança poderão ser usados como meio intermediário entre a criança
e o professor. Esse é um fator importante no sucesso das interações.
Na ausência desses cuidados, a criança surdocega poderá apresentar comportamentos
inadequados socialmente, ou seja, pode desenvolver comportamentos indesejáveis, como
movimentar aleatoriamente as mãos e/ou corpo, emitir sons, direcionar o olhar
compulsivamente para luz, provocar sons em locais com vibrações mais intensas e tatilmente
perceptíveis, balançar, bater os pés, apertar os olhos, agredir-se, entre outros. Estes
comportamentos reativos são geralmente recursos utilizados pela criança para substituir a
falta dos estímulos adequados e dão aos educadores informações importantes quando
interpretados numa perspectiva comunicativa.
O fato de as crianças surdocegas apresentarem, freqüentemente, comportamentos
como: 1) dificuldades em elaborar a consciência da relação dos segmentos corporais em si e
destes com objetos (fase comum a todas as crianças); 2) limitações para o movimento e
funcionamento do próprio corpo; 3) insegurança pessoal; e, 4) atraso no desenvolvimento
motor e afetivo, pode ser atribuído à qualidade e quantidade das interações mantidas com o
ambiente. Afinal, enquanto as crianças normais usam a audição e a visão para direcionar sua
ação, e com isso aprendem, por exemplo, que seu comportamento e movimento têm
conseqüências determinadas e que objetos e crianças que não podem ser vistos continuam
a existir, a criança surdocega não possui condições para responder e compreender as
demandas do meio, precisando, por isso, que esses aspectos lhes sejam ensinados.
O papel do professor, intérprete ou guia-intérprete junto à criança surdocega será o de
suprir sua carência de funcionamento sensorial com estímulos organizados e significativos,
promovendo a construção de sua consciência e imagem corporal, seu desenvolvimento motor
e afetivo, e também sua autonomia (Erikson, 2002).
As informações do mundo deverão chegar à criança de forma estruturada e
sistematizada, para que ela possa começar a construir seu mundo. Esse procedimento a
auxiliará na construção do conhecimento como um todo, uma vez que a carência de
informações sensoriais tão básicas como a visão e a audição fazem com que cada criança,
quando exposta a um estímulo, consiga absorver apenas parte dessa informação. Apenas a
repetição de estímulos em contextos significativos poderá assegurar que ela venha a ser
capaz de assimilar a estimulação como um todo.
As crianças surdocegas podem apresentar perfis distintos, em função de vários aspectos:
1. características da interação que mantém com o meio, decorrentes do
comprometimento dos sentidos de distância (audição e visão) e da disponibilidade
do meio para interagir com elas utilizando formas adaptadas às suas necessidades;
2. grau de perda auditiva;
3. grau de perda visual;
4. outros comprometimentos associados, entre eles o motor e o neurológico;
5. período de aquisição da surdocegueira.

As características do meio socioeconômico e cultural no qual a criança está inserida
pode desencadear atrasos no seu processo inicial de aprendizagem e desenvolvimento. Assim,
as capacidades apresentadas por elas podem ser decorrentes não da deficiência em si, mas
da relação entre a forma, o método e o conteúdo das interações vivenciadas, ou seja, a
aprendizagem vai ser dependente do modo como a criança surdocega estabelece seu contato
com o meio e este com ela, de qual o recurso utilizado na comunicação e a de sua capacidade
de ser compreendida e de compreender as demandas do seu universo familiar, escolar, social
e cultural.
O processo de aprendizagem da via de comunicação exige atendimento especializado,
com estimulação específica e individualizada. Quando a criança é estimulada precocemente,
ela adquire comportamentos sociais mais adequados e, também, poderá desenvolver e
aprender a usar seus sentidos remanescentes melhor do que aquela que não recebeu
atendimento.

Fonte:
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
Surdocegueira / múltipla deficiência sensorial

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