O termo deficiência múltipla tem sido utilizado, com freqüência, para caracterizar o
conjunto de duas ou mais deficiências associadas, de ordem física, sensorial, mental,
emocional ou de comportamento social. No entanto, não é o somatório dessas alterações que
caracterizam a múltipla deficiência, mas sim o nível de desenvolvimento, as possibilidades
funcionais, de comunicação, interação social e de aprendizagem que determinam as
necessidades educacionais dessas pessoas.
O desempenho e as competências dessas crianças são heterogêneos e variáveis. Alunos,
com níveis funcionais básicos e possibilidades de adaptação ao meio podem e devem ser
educados em classe comum, mediante a necessária adaptação e suplementação curricular.
Outros, entretanto, com mais dificuldades, poderão necessitar de processos especiais de
ensino, apoios intensos, contínuos e currículo alternativo que correspondam às suas
necessidades na classe comum.
Observa-se maior resistência para inclusão em escolas e instituições que ainda se apóiam
no modelo médico da deficiência, em técnicas de reeducação, educação compensatória ou
de prontidão para inclusão. O conceito de necessidade educacional especial vem romper
com essa visão reducionista de educação especial centrada no déficit, na limitação, na
impossibilidade do sujeito de interagir, agir e aprender com os demais alunos em ambientes
o menos restritivos possíveis.
O enfoque da proposta inclusiva é sociológico e relacional. O eixo téorico-metodológico
da abordagem sociológica em educação é explicitado por Becker: “Quando você pensa na
sociedade como ação coletiva sabe que qualquer conversa sobre estruturas ou fatores acaba
por se referir a alguma noção de pessoas que fazem coisas juntas, que é o que a sociologia
estuda.” (Becker, 1977, p.10)
Nessa perspectiva, as questões de desvio, estereótipos e preconceitos, comportamentos,
atitudes e expectativas são analisadas no contexto da totalidade de vida, na qual os
participantes alunos, pais, professores e comunidade escolar estão envolvidos mutuamente
num sistema relacional mais amplo. Torna-se importante, então, perguntar-nos: qual a
qualidade dessa interação? Quais as expectativas dessas pessoas? Quais as necessidades
dos participantes? Quais as dificuldades que interferem nesse processo de relação e interação?
E na prática pedagógica?
No projeto educativo para inclusão de crianças com dificuldades acentuadas na
educação infantil, a relação interação-comunicação, construída de forma positiva, é essencial.
Entretanto, as necessidades vão além das atitudes positivas e práticas sociais não
discriminatórias. Dependem essencialmente das oportunidades de experiências, de
aprendizagem , e principalmente da modificação do meio e das estratégias para que possam
ter êxito na escola e comunidade.
O avanço no processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças com
deficiência múltipla compreende uma ação coletiva maior, intersetorialidade e
responsabilidade social compartilhada. Requer colaboração entre educação, saúde e
assistência social: ação complementar dos profissionais nas diferentes áreas do
conhecimento(neurologia, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia
escolar) quando necessário, fornecendo informações e orientações específicas para o
atendimento às peculiaridades decorrentes de cada deficiência.
Essas ações integradas de educação, saúde e assistência social são essenciais e
imprescindíveis para que as necessidades educativas específicas sejam atendidas, mas não
justificam o afastamento ou o atendimento educacional segregado.
Não se trata, no entanto, de a escola assumir ou desenvolver um trabalho terapêutico
ou excessivamente especializado, mas significa adequar as atividades pedagógicas às
necessidades particulares de cada criança, permitindo, assim, sua a participação em todas
as atividades desenvolvidas no espaço escolar para uma efetiva promoção do processo de
desenvolvimento e aprendizagem na classe comum.
A abordagem pedagógica para as crianças com deficiência múltipla na educação infantil
enfatiza o direito de ser criança, poder brincar e viver experiências significativas de forma
lúdica e informal. Assegura ainda o direito de ir à escola, aprender e construir o conhecimento
de forma adequada e mais sistematizada, em companhia de outras crianças em sua comunidade.
A educação infantil, nesse contexto, tem duas importantes funções: “cuidar” e
“educar”. Cuidar tem o sentido de ajudar o outro a se desenvolver como ser humano,
atender às necessidades básicas, valorizar e desenvolver capacidades. Educar significa
propiciar situações de cuidado, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma
integrada que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de
relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação,
respeito, confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da
realidade social e cultural.
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