O processo de construção da linguagem/deficiencia visual

A construção da linguagem não é apenas determinada pela maturação biológica do ser
humano, ela é influenciada pela vivência e experiência sociocultural do sujeito. É mediada
pela qualidade das relações e interações com o meio.
Piaget, define a linguagem como o pensamento em ação, isto é, a construção do sistema
de significação depende da possibilidade que a criança tem de interagir com pessoas e objetos,
de agir, de perceber e coordenar suas ações no tempo-espaço e compreender a causalidade,
e, principalmente, da qualidade da interação e solicitação do meio, pois a linguagem depende
da função semiótica, que é a capacidade de distinguir o significado do significante, que a
criança adquire por volta dos dois anos de idade.
A criança que enxerga realiza essa diferenciação pela observação visual, ela estabelece
relações automáticas entre o que ouve e vê. A criança com deficiência visual necessita tocar
o que ouve, agir, fazer coisas junto, compreender como as pessoas agem, para poder
identificar, perceber e assim poder imitar.
São as experiências significativas, contextualizadas, vividas e internalizadas pela criança
que formam a imagem mental. A linguagem surge quando a criança representa por imagem
aquilo que vivenciou, organizou e estruturou no período sensório-motor.
A criança com deficiência visual necessita de pessoas disponíveis em casa e na escola
para, inicialmente, dar sentido a suas percepções e ações. Piaget considera que o discurso
da criança se inicia imitando as ações, para depois revelar as organizações dos eventos, dos
objetos e das pessoas em relações espaço-temporais e causais.
Ortega (1994) afirma que a criança com deficiência visual começa a ter prejuízo em
relação à linguagem pré-verbal nas situações em que a linguagem visual, o olhar, o sorriso,
os gestos das mãos e a linguagem corporal são elementos determinantes da comunicação.
Estudos de Fraiberg (1982) revelam que, em relação à imitação verbal e respostas às
indicações verbais, as crianças cegas não se diferenciam das crianças videntes.
A criança cega pode desenvolver a habilidade de conhecer todas as coisas, diz Vygotsky

(1993), pois desenvolve grande capacidade de comunicação, e a linguagem tem grande
importância para o desenvolvimento e construção do conhecimento.
A visão é um sentido integrador primário, portanto, importante para a aprendizagem.
Nesse sentido, Leonhardt (1992) comenta que a ausência da visão não oferece uma percepção
e informação globalizada, responsáveis pela função de síntese na organização das experiências
e na formação das imagens.
Fraiberg (1982) afirma que a criança cega incorpora mais tarde o pronome “eu”. A
auto-referência está ligada a dificuldade de diferenciar-se dos objetos, dos outros para a
formação da auto-imagem e auto-representação.
Aos cinco ou seis anos de idade, a criança cega que não foi superprotegida e teve a
oportunidade de viver as ações, imitá-las e representá-las apresentará um desenvolvimento
lingüístico semelhante ao de seus colegas na pré-escola.
A teoria sociocognitivista, na linguagem de Van Dijk (1992), aponta para a relação entre
discurso, cognição e interação social. Ele coloca a importância da semântica do discurso,
dos significados relacionados a uma representação mental originária do modelo, da
compreensão da situação, do contexto, responsáveis pelo processamento do discurso. Os
modelos que articulam estruturas lingüisticas e processos cognitivos são criados e
transformados, tanto a partir da memória episódica, relacionados às experiências individuais
concretas, quanto à experiência vicária e ao conhecimento metalingüístico do mundo.
Assim, a linguagem flui do que é visto, percebido, vivido, sentido, lembrado, narrado,
descrito e imaginado.
O corpo e as mãos falam
O corpo e as mãos da criança cega falam. Os pais e a professora devem estar atentos à

essa forma particular de expressão e comunicação. Os gestos faciais, a comunicação visual
pelo olhar, os gestos com a mão, pedir, apontar e dar são substituídos, pela criança cega, por
outros movimentos corporais como: agitar os braços, a cabeça, o tronco, os pés e as mãos.
Esses movimentos podem se prolongar até mais tarde, mesmo depois de a criança cega
utilizar a linguagem verbal como forma de comunicação.
A forma como a criança explora, manipula, tateia, faz o rastreamento tátil dos objetos,
comunica seu interesse, atenção, prazer, forma de discriminação, compreensão e significado
dos objetos, movimenta o corpo e as mãos precisa ser contextualizada pela interação, pela
comunicação e pelo brincar.
O verbalismo
O verbalismo é definido como emprego de palavras ou frases destituídas de significado,

descontextualizadas ou sem experiência vivencial. Algumas crianças cegas fazem uso de
palavras abstratas, termos rebuscados mas sem sentido ou conceito real. Outras pessoas
utilizam palavras ou expressões que contém apenas significado visual.
Susana Crespo (1980), educadora argentina, alertava que, ao educar uma criança cega,

não se deve deixar de lado suas próprias experiências sensoriais e tentar supri-las com
expressões e conceitos verbais. Isso desvirtua sua educação, se é levada a construir seu
mundo com base em palavras, idéias e imagens emprestadas, sem ter em conta suas próprias
e ricas possibilidades de aquisição.
MEC-2006-BRASÍLIA/DF
DIFICULDADES DE COMUNICAÇÃO E SINALIZAÇÃO

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